sexta-feira, 17 de julho de 2015

Caça aos celulares ‘xing ling’ pela Anatel fere privacidade e prejudica os pobres

O Instituto de Tecnologia e Sociedade - ITS - e a Accessnow encaminharam à Anatel um documento em que pedem a reavaliação da proposta de desconectar celulares não homologados, uma vez que a medida violaria direitos fundamentais e seria especialmente prejudicial aos mais pobres.
Chamado de Conectividade em Risco/Estudo sobre o impacto do bloqueio de celulares não homologados no Brasil, o trabalho argumenta que na forma como proposto pelo órgão regulador, o sistema de identificação dos aparelhos e posterior desconexão deles é uma medida desproporcional que também traz riscos à privacidade – além de violar o direito à liberdade de expressão.
De início, o estudo parte de alegações da própria Anatel e das empresas de telecomunicações sobre como os celulares se constituem atualmente como a principal ferramenta de inclusão digital no país – a começar pelo número de acesso (mais de 280 milhões) e o ritmo de crescimento das ofertas de banda larga móvel.
“Se o celular tem permitido um aumento da conectividade da população brasileira, o aparelho não homologado, conhecido popularmente pelo termo pejorativo ‘xing ling’, tem um papel importante nesse crescimento justamente por ter um preço bem mais acessível. Enquanto o preço de smartphones varia de R$ 500 a R$ 4 mil, os ‘xing lings’ custam em torno de R$ 200”, diz o estudo.
Não há até aqui a dimensão exata do impacto dessa medida, ainda que diferentes estimativas indiquem a existência de até 40 milhões de aparelhos em uso sem homologação do órgão regulador. Vale dizer, no entanto, que a própria Anatel congelou, na prática, o andamento do chamado Sistema Integrado de Gestão de Aparelhos, ou simplesmente SIGA.
O nó é justamente se tratar de um projeto que afeta os mais pobres. E como analisa o estudo do ITS/Access, não há porque duvidar de que tais aparelhos tenham sido comprados de boa-fé, visto que o próprio documento verificou a comercialização acessível e sem qualquer constrangimento de aparelhos não homologados.
“Se há falha regulatória com relação à entrada desses aparelhos e sua não homologação, essas falhas não devem ser atribuídas aos consumidores finais, mas sim a outros elos da cadeia que falharam antes do consumidor que adquiriu o aparelho de boa-fé”, ressalta o documento entregue à Anatel.
O bloqueio dos aparelhos não homologados se daria através da verificação do IMEI, sigla em inglês para Identidade Internacional de Equipamento Móvel, que é uma espécie de registro global de celulares. Daí que o SIGA passa pela criação de um banco de dados com todos os IMEIs homologados. Assim, o aparelho fora dessa lista poderia ser bloqueado pelas operadoras.
A própria UIT reconhece, no entanto, que o bloqueio de aparelhos por IMEI pode não ser a melhor medida, já que há possibilidade dos IMEIs serem clonados – o que resultaria no bloqueio de aparelhos homologados. Além disso, a própria criação desse banco de dados já apresenta riscos para violação da privacidade dos usuários.
“Em um mundo que se volta contra a vigilância de massa, em que regras de privacidade não são claramente definidas, considerando-se que o Brasil ainda não possui uma lei que regulamente a proteção de dados pessoais, a criação de uma base de informações como essa é gravosa e preocupante”, sustentam o ITS e a Access.
Finalmente, o estudo aponta que a Anatel defende a desconexão dos celulares não homologados pois eles podem trazer problemas sérios: afetariam a rede de comunicação de aeronaves, podendo causar acidentes, e representariam riscos à saúde dos usuários em relação ao nível de ruído e emissão de radiofrequência, além de expor o usuário a riscos de choques durante o uso ou carregamento.
Mas, como conclui o estudo, “ocorre que a Anatel, até o momento, não apresentou nenhum estudo técnico que comprove essas alegações e que justifique a adoção de medida tão radical. Esses aparelhos já estão em uso há anos e não deram causa a nenhum acidente aéreo. É preciso desenvolver estudos que busquem alternativas para alcançar os objetivos pretendidos pela Agência, sem que direitos de uma enorme gama de pessoas sejam afetados”.

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